AMERICAN WAY: ACREDITO EM MIM – A NOVA CONFIANÇA E CONSCIÊNCIA SOCIAL DE DEMI LOVATO

Essa sou eu
Levou alguns anos e alguns lados errados para Demi Lovato aprender a amar a si mesma, e agora a cantora/compositora está compensando
Não pela primeira vez durante uma manhã de terça feira andando pela vizinhança de San Fernando Valley, Demi Lovato sente o puxão na coleira e vira o rosto para o inevitável.
“Oh Batman”, a popstar de 23 anos diz, seu suave olhar se fixam na bolinha preta se agachando no meio da calçada com seu pequeno quadril. “Oh meu Deus. Desculpe. Esse não é um bom lugar, Batman.”
Sob a aba de um boné do New York Yankees, Lovato não está usando maquiagem, e o sol destaca suas sardas nas bochechas e nariz. Um moletom de ziper esconde a profusão de tatuagens – as palavras Stay (Fique) e Strong (Forte) em seus pulsos, e um bando de pássaros voando em seu antebraço direito.
Batman escolheu fazer seu negócio na frente da escola local de ensino fundamental. Devem ter dúzias de fãs – ou Lovatics – assistindo à aulas pela manhã inteira, sem saber o quão perto estão de ter uma visão não só de Lovato, mas do Yorkipoo que ela está carregando na coleira. Pelas mídias sociais, legiões de Lovatics deram as boas vindas para Batman quando ela anunciou com seu namorado de longa data, o ator de That’s 70 Show, Wilmer Valderrama (Lovato e Valderrama terminaram no mês passado, prometendo ser “melhores amigos”). Para esses Lovatics, o Yorkipoo tem mais poder de estrela do que Christian Bale, Michael Keaton e qualquer outro homem que participou de Batman.
Nos oito anos desde que Lovato se tornou uma estrela do pop, seus sucessos passaram combinados, 219 semanas nos charts da Billboard, e cinco dos seis álbuns de estúdio foram certificados com ouro. Em turnê, ela lota estádios de Los Angeles à São Paulo para Ho Chi Minh City. Mas o maior indicador de seu alcance é sua presença nas mídias sociais.
Nessa primavera, Lovato chegou aos 36 milhões de seguidores no Twitter – uma audiência que vale a população inteira do Canadá. No Instagram, ela está próxima dos 40 milhões. Ela usa as redes sociais para promover sua marca, alertando seu vasto círculo de vídeos musicais, novas datas de turnê e sua última adição, a coleção de cuidados para a pele, Devonne By Demi.
Mas Lovato também compartilhou com seus seguidores a angústia da sua infância, seus transtornos psicológicos, seu distúrbio alimentar e vício em álcool e drogas, e seu tempo na reabilitação. Em recuperação, ela emergiu como uma força terapêutica que toca vidas de meninas e mulheres em toda parte.
“Eu não fui para o tratamento pensando, ‘Ok, agora serei uma inspiração'”, Lovato explica, enquanto Batman retorna ao seu ritmo. “Às vezes eu estava ressentida de ter toda essa responsabilidade, mas agora, se tornou parte da minha vida. Me mantem responsável”.
Durante o outono de 2007, com 15 anos, Demi Lovato estava em Ontário, Canadá, filmando Camp Rock para o Disney Channel. Ela fazia o papel de Mitchie Torres, uma tímida trabalhadora da cozinha com o talento escondido no acampamento musical. O protagonista masculino, Joe Jonas dos Jonas Brothers se apaixona por sua voz, e por ela. Quando o filme acaba, Mitchie sai do anonimato com o a canção “This Is Me”. A canção segue também para uma declaração de chegada de Lovato, além da personagem que ela protagoniza.
Chegando sua coroação como a próxima rainha teen da Disney, Lovato não conseguiu evitar os destroços que a precediam. Britney Spears tinha sido de membro do The All New Mickey Mouse Club para turnês mundiais e álbuns platina, mas em 2007, seu canto foi eclipsado por um colapso espetacular. Ela forneceu conteúdo sem parar para o National Enquires, Inside Edition e a internet falava que ela havia raspado a cabeça, saído da reabilitação, bateu seu carro e perdeu a custódia legal de seus dois filhos jovens.
A atriz Lindsay Lohan também estava gerando manchetes sensacionalistas. A ex estrela da Disney nos filmes como Operação Cupido e Sexta Feira Muito Louca tinha sido declarada culpada por dirigir sobre influência de drogas e porte de cocaína, passou 84 minutos na cadeia do condado e fez seu próprio retiro de reabilitação. Sua carreira promissora jamais se recuperou.
Assistindo Spears e Lohan desabar assim quando sua carreira havia a recém decolado, Lovato ficou certa que ela também acabaria um objeto de pena bem divulgado e ridículo. “Fazer Camp Rock”, ela lembra, “Eu ficava definitivamente tipo, ‘Oh merda. Em três anos, essa serei eu'”.
Lovato já havia provado seu valor como membro do elenco de Barney e seus amigos anos atrás após arrasar em sua audição para o Disney Channel. O foco e a unidade que ela manteve em toda sua infância e o início da adolescência foram os mais memoráveis porque, por muito desse tempo, ela estava lutando contra a depressão, pensamentos suicidas, impulsos de auto mutilação e um relacionamento conturbado com seu corpo.
Demetria Devonne Lovato nasceu em Albuquerque, Novo México, no verão de 1992, embora a família tenha se mudado logo para a suburbana Fort Worth no Texas. Seu pai, Patrick Lovato, era um músico e engenheiro de estúdio que foi diagnosticado com esquizofrenia, transtorno bipolar e alcoolismo. Sua mãe, Dianna Lee Hart, era uma aspirante a cantora country.
Os pais de Lovato se separaram quando ela tinha 18 meses. A mãe de Hart (Dianna) era bulímica, e quando jovem, Dianna começou a demonstrar sintomas. Depois de seu término com Patrick, sua condição piorou. Lovato lembra a data de seus problemas com sua imagem. Ela lembra estar em fraldas e olhar para baixo, para sua barriga, imaginando se algum dia seria plana. “Mesmo que eu tivesse 2 ou 3 anos de idade”, Lovato diz, “ficar perto de alguém que tinha 36kg e tinha um distúrbio alimentar… é difícil não crescer assim”.
Nos anos 80, Hart foi uma líder de torcida do Dallas Cowboys, colocando a figura que ela tinha esses problemas em audiência nacional. “Se eu tinha que usar aquela roupa de líder de torcida – obrigada Deus que eu escolhi uma profissão que não precisava”, Lovato diz,“Porque isso me deixaria louca”.
No entanto, quando tinha 7 anos, depois de ver uma prima participar de um concurso de beleza infantil, Lovato começou a competir também, e os painéis de juízes analisariam sua aparência pelos próximos 5 anos.
A porção de talento nos concursos lhe deu uma audiência para cantar, durante um painel de perguntas e respostas, ela melhorou seu discurso em público. “Tínhamos que fazer essas entrevistas, mesmo que tivéssemos 7 anos”, Lovato diz. “Eles me fizeram articular muito, e quando comecei a fazer audições, realmente veio a calhar”. Em 2000, ela foi coroada a Texas State Cinderella Mini Miss.
Enquanto Lovato tem muitas boas memórias sobre o mundo dos concursos, ela imagina agora se esse foi o lugar mais saudável para uma garota que já estava tão desconfortável com seu corpo. “Minha consciência sobre a imagem do meu corpo começou antes”, ela diz,“Mas eu atribui um pouco das minhas inseguranças para estar no palco e ser julgada por minha beleza”.
Um ano depois de sua separação com Patrick Lovato, Hart casou com Eddie De La Garza, um gerente de vendas numa concessionária da Ford local. Durante o Natal de 2001, Lovato deu as boas vindas a sua nova meia irmã, Madison De La Garza. (Ela também se tornou uma atriz mirim, fazendo a filha de Eva Longoria em Desperate Housewives). Lovato e sua irmã mais velha Dallas passaram os fins de semana com Patrick até seu alcoolismo e distúrbios mentais tornaram impossível. Quando ele desapareceu da vida de Lovato, De La Garza preencheu o vazio. “Meu padrasto, ele é meu pai”, ela me conta. “Quando tive que parar de ver meu pai, meu padrasto realmente nos acolheu”. No momento que Patrick morreu de câncer em 2013, Lovato tinha se afastado dele por sete anos.
Quando tinha 12 anos, Lovato participou de seu último concurso de beleza. Quando ela deixou o mundo das coroas para trás, as modelos assustadoramente magras coladas nas paredes do seu quarto se tornaram um novo ponto de referência. “Quando eu estava ganhando peso porque estava me tornando uma mulher”, ela diz. “Eu olhava para essas imagens e dizia para mim mesma, ‘Espere, isso não é como eu me pareço. Estou ficando gorda nos quadris e na bunda'”. Ela começou a compulsão alimentar quando tinha 9 anos, mas agora ela começou a se cortar e vomitar. As meninas na escola praticavam bullying com ela, mas ela manteve sua postura de concurso de beleza e agiu e cantou seu caminho pelas audições e ganhou alguns papéis de coadjuvante na TV.
Então veio Camp Rock. Poucos meses depois de sua primeira exibição, Lovato teve seu álbum de estreia no topo dos charts da Billboard. Ela estava cantando em arenas com os Jonas Brothers e estrelando sua própria série da Disney, Sunny entre estrelas. No título do papel, ela fazia uma garota comum que se tornava uma atriz em sua série favorita e divertidamente lidava com as armadilhas da fama repentina.
Por trás das câmeras, Lovato estava à deriva. Com a fama, inevitavelmente vem os parasitas e facilitadores, além dos fundos ilimitados e a licença de entrar em um dos piores instintos. Se manter no chão como atriz teen requer um nível de clareza interna e uma contenção de ferro que maioria dos adolescentes não tem. E Lovato passou anos num estado frágil e emocional até o momento que ela foi varrida pelo sucesso torrencial.
Depois que ela alugou uma casa luxuosa em LA e convidou sua família para se mudar, Lovato deixou claro que ela não ia aceitar disciplina dos pais. Quando Hart tentou por um basta nas noitadas de sua filha, não conseguiu nada. “Eu dizia, ‘O que você vai fazer? Eu pago as contas!'”, Lovato lembra. “Eu coloquei meus pais em uma posição muito desconfortável. Não tem manual de como ser pai de uma estrela do pop”.
Lovato começou a se auto medicar com álcool, cocaína e OxyContin. “Eu vivi rápido e ia morrer cedo”, ela diz. Quando perguntada se ela achava que ia estar viva aos 40, ela parecia surpresa. “Eu não achava que chegaria aos 21.”
Um relacionamento com Joe Jonas terminou rapidamente, mas a cantora ainda se juntou à ele e seus dois irmãos em outra turnê no outono. Poucos meses depois, Lovato deu um soco no rosto de uma de suas dançarinas – uma mulher que ela considerava amiga. Ela mandou uma mensagem para sua mãe para contar o quão arrependida estava. Abandonando a turnê, ela procurou ajuda na reabilitação no centro oeste onde ela foi diagnosticada com transtorno bipolar e tratada por bulimia. “Então agora estou em reabilitação”, Lovato lembra, “E eu pensei, ‘Oh ótimo, agora o mundo pensa que eu sou mais um estereótipo'”.
Ela deixou sua bulimia e sintomas bipolares sob controle, mas não seus outros vícios. “Eu pensei, ‘Não estou sendo tratada para drogas e problemas com álcool'”, ela diz. “Mas quando eu comecei a comer de novo, o outro problema ficou pior. Eu estava igual a um Whack-A-Mole (jogo antigo)”. Para ficar limpa, ela entrou para uma casa de sóbrios em West Hollywood e ficou cerca de um ano.
Lovato tomou seu último drinque em janeiro de 2012 e continua a ir aos encontros dos alcoólicos anônimos. Uma sexta à noite, ela e alguns outros viciados recuperados aparecem para uma sessão, apenas para descobrir que foi cancelada. Eles decidiram ir para o park e fazer uma reunião improvisada lá. “Tinham duas pessoas que recém saíram da prisão por assassinato”, Lovato lembra. “Tinha uma garota do Valley que nunca adivinharia que tinha problemas de vício. E tinha eu – a estrela do pop – e um empresário russo. No final do encontro, todos demos as mãos e rezamos.”
Como Lovato evitou se tornar o estereótipo de Hollywood que temia se tornar?
Foi a decisão de procurar tratamento num centro de recuperação. Seja qualquer contratempo que ela podia ter durante essas semanas estava longe do alcance dos paparazzi. Enquanto nos anos seguintes Lohan e Spears se arrastavam com suas carreiras, Lovato incorporou sua angústia e sua cura em sua vida pessoal e sua música – o que acabou tendo valor comercial e artístico, e também terapêutico. Os álbuns que ela lançou depois, tinham mais peso e emoção, despojado do resíduo pegajoso do chiclete da Disney.
Para a ex Disney, Miley Cyrus, vinda da idade como artista significava se formar do artifício da Hannah Montana para um artifício atrevido de twerk. Para Lovato, quebrar seu passado da Disney significou expor seu lado frágil – na Ellen e no Good Morning America, numa coluna que ela escreveu para a Seventeen Magazine, e o mais significante, seus seguidores nas redes sociais. Ela contou aos fãs que estavam passando pelo que ela passou para não esconder seus tormentos como ela fez. Ela escreveu um livro de afirmações, Staying Strong: 265 dias ao ano, que debutou no número 1 como best seller do New York Times.
Agora ela é a principal defensora das doenças mentais da America, à frente de uma campanha nacional de conscientização e indo ao Capitol Hill para um compromisso federal para tratamento. “Quanto mais você fala sobre doença mental, menos se torna um tabu”, Lovato diz. “Como estrela do pop, eu posso dizer, ‘Ei, eu tenho transtorno bipolar – não é nada para se envergonhar'”.
Durante um show em Los Angeles em 2011, a cantora fez um apelo no palco. “Se tem alguém aqui que não se sente bonito o suficiente ou digno o suficiente, você está errado, porque vocês são incríveis.” Lovato disse, sorrindo e tremendo em um corpete branco solto. “Se você está lidando com alguns dos problemas que eu passei, não tenha medo de falar, porque alguém vai estar lá por você. E se você acha que está sozinho, ponha minha música que eu estarei lá por você”. Ela cantou “Skyscraper” – seu sucesso de abandono e ressurreição – e terminou em lágrimas.
Quando essa performance foi postada no YouTube, ganhou mais que “Likes”. “Isso me impediu de ir até a varanda no andar de cima do meu hotel e pular”, escreveu um fã. “Eu quase bebi água sanitária até que eu assisti isso”, escreveu outra. “Demi Lovato salvou minha vida”.
Mesmo agora, quatro anos depois de Lovato mudar sua vida, os fãs continuam em fila para dar voz ao seu sofrimento e descobrir suas feridas. “Quando eu faço meet&greets, não posso dizer a quantidade de vezes que meninas me mostram seus braços cobertos de cicatrizes ou cortes”, ela diz. “Elas me dizem, ‘Você me ajudou a superar isso. Por sua causa, eu parei de me cortar’, ou ‘Eu estou limpa’. Ouvir essas coisas me dão vida e significado”.
Perto do meio dia, Lovato, Batman e eu chegamos a agitada Ventura Boulevard. Meia hora lá dentro, a caminhada foi livre de Lovatics ou qualquer pedestre exceto seu guarda costas, que vem caminhando cerca de 20 passos atrás.
Em uma mesa na calçada, tomando um Frappuccino, Lovato explica seu processo criativo. Ela escreve músicas com colaboradores, ela diz, “porque eu gosto do que as pessoas trazem para mim”. A cantora/compositora de 34 anos, Laleh – a quem Demi descreve como “gentil como uma Adele suíça” – cultivou ao seu lado a música “Stone Cold”, que foi lançada como single do seu álbum Confident.
Na última primavera, os colaboradores tiveram uma longa conversa sobre Patrick Lovato como o segundo aniversário de sua morte vem chegando. “É muito desconfortável chegar essa parte do ano de novo, sabendo que ele morreu perto do Dia dos Pais”, Lovato lembra.“Eu disse para Laleh, ‘Eu tenho que descobrir isso, tenho que tirar do meu peito'”.
O resultado foi a balada “Father”, que é a menos amigável das rádios e a canção mais ambiciosa do Confident – e talvez de qualquer álbum de Demi Lovato – com sua voz em vários estados de agonia. “Eu não sei se vou cantá-la ao vivo algum dia”, ela diz. “A terapia foi apenas escreve-la e gravá-la.”
A mãe de Lovato acaba de escrever um livro de memórias que toca em seu casamento, sua bulimia e criar sua filha popstar. “Eu estou animada para o mundo lê-lo”, Lovato diz.“Você acha que minha história é louca? A história de vida dela é muito louca”. Se Lovato começar uma família um dia, ela se pergunta qual tipo de encargos que ela pode passar.“Eu não estou próxima de ter crianças”, ela diz “Mas já me pergunto algumas coisas. Minha avó tinha bulimia, minha mãe tinha, eu tive, e espero que minhas crianças não tenham, mas é como qualquer tipo de vício. É hereditário”.
Na capa do Confident, Lovato aparece em um brilhante top desconstruído e parte de baixo de um biquíni. Uma versão menos idealizada da cantora foi tirada pela Vanity Fair. Ela ditou os termos em sua sessão de fotos em 2015 – sem maquiagem, sem photoshop, sem roupas. “É onde eu estava ano passado”, ela diz, mantendo Batman num ritmo acelerado enquanto estamos chegando perto de sua casa. “Crescer, eu tive tantos problemas com meu corpo, e eu estava focada em me sentir ótima em minha pele”.
Como para o restante de 2016, os fãs de Lovato podem esperar ouvir mais dela – e talvez um pouco menos. “Eu fico tipo, ‘Legal. Já estive lá. Fiz isso. Vocês sabem como eu pareço pelada'”, ela diz, sorrindo. “Agora eu vou só voltar para minha voz”.

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